Minha profunda admiração por quem consegue borrifar poesia no cotidiano de aromas monótonos. Dito isso, faço este gesto de resistência ao esvanecimento de memórias: um breve texto sobre o encontro que tive com uma senhora que pediu alguns centavos pra completar a passagem de ônibus, era manhã fria e eu tinha a primeira aula presencial dia de mestrado. Na Praça do Pida, coração da Trindade, onde a vida estudantil da UFSC pulsa com vigor, eu almoçava um lanche apressado quando Adriana chegou até a mim. Achei que seria uma interação rápida e que ela daria as costas tão rápido quanto me abordou, mas não. Sentou-se no banco em frente a mim, do lado oposto da mesa, com olhar distante que busca proximidade. Me sondou brevemente e contou como a vida dela foi ladeira abaixo durante a pandemia (veja, isso era abril de 2022). Contou-me que ganhava um bom salário cuidando da mãe de uma grã-fina em bairro de alto poder aquisito de Florianópolis e foi despedida sem mais nem menos. Contou que já foi casada com uma figura importante da cidade de Tubarão e também alguma coisa sobre um carro que fez parte da vida dela e que confesso, não lembro nem vagamente um fio, por isso o exercício que faço agora. Por fim, pesarosa, contou sobre a filha que a esperava em casa e a dificuldade pra sobreviver sem emprego, sem dinheiro sequer pra se locomover com o transporte coletivo. Ofereci um pouco do meu lanche, ela não quis, apenas desabafou com quem estava disposto a ouvir. Naquele dia, empolgado e ansioso com as novidades que encontrei na universidade, encontrei uma conversa amigável e inesperada. Terminei meu lanche, levantei para colocar as embalagens plásticas numa lixeira iluminada por um intenso reflexo de prédio espelhado e voltei a me sentar. Adriana contemplava um dos morros e de súbito decidiu que iria embora. Se despediu cordialmente com um sorriso tímido. Ela foi, eu fiquei, contemplando um dos morros também. Um alarme no celular me interrompeu: deu horário da aula na parte da tarde, coincidentemente, sobre o transporte coletivo da cidade.